domingo, 29 de janeiro de 2017

Erico Veríssimo --- O TEMPO faz a gente esquecer...



"O tempo faz a gente esquecer. Há pessoas que esquecem depressa. Outras apenas fingem que não se lembram mais"

Erico Veríssimo

Augusto Gil -- BALADA de NEVE

Balada da neve

Batem leve, levemente,
como quem chama por mim.
Será chuva? Será gente?
Gente não é, certamente
e a chuva não bate assim.

É talvez a ventania:
mas há pouco, há poucochinho,
nem uma agulha bulia
na quieta melancolia
dos pinheiros do caminho…

Quem bate, assim, levemente,
com tão estranha leveza,
que mal se ouve, mal se sente?
Não é chuva, nem é gente,
nem é vento com certeza.

Fui ver. A neve caía
do azul cinzento do céu,
branca e leve, branca e fria…
. Há quanto tempo a não via!
E que saudades, Deus meu!

Olho-a através da vidraça.
Pôs tudo da cor do linho.
Passa gente e, quando passa,
os passos imprime e traça
na brancura do caminho…

Fico olhando esses sinais
da pobre gente que avança,
e noto, por entre os mais,
os traços miniaturais
duns pezitos de criança…

E descalcinhos, doridos…
a neve deixa inda vê-los,
primeiro, bem definidos,
depois, em sulcos compridos,
porque não podia erguê-los!…

Que quem já é pecador
sofra tormentos, enfim!
Mas as crianças, Senhor,
porque lhes dais tanta dor?!…
Porque padecem assim?!…

E uma infinita tristeza,
uma funda turbação
entra em mim, fica em mim presa.
Cai neve na Natureza
e cai no meu coração.

Augusto Gil

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

S. Pedro de Moel ---- Marta Monteiro Oliveira



S. Pedro de Moel

Hoje fui visitar-te. As saudades eram mais que muitas, estavas ali intacta como se estivesses à espera que eu voltasse. Sempre que penso em ti fico com borboletas na barriga e sempre que falo de ti enches-me de orgulho. Mas a verdade é que te deixamos sempre que o frio se aproxima e parece que nos esquecemos daquilo que és para nós, tenho medo que aches que não te levamos no coração. Eu levo, e sei que os melhores também. 
Mas sempre que voltamos tratas-nos bem, bem de mais. Recebes-nos com o teu cheiro a maresia que nos entra casa a dentro e nos faz sentir-te nos nossos pulmões, cada vez que inspiro parece que ganho 10 anos de vida. Fazes-nos bem, fazes-nos muito bem.
Hoje fui visitar-te e continuas a praia mais bonita de todas, é tão bom pensar que nunca vais mudar e que vais ser para sempre o melhor sítio do mundo. É bom ver que o mar continua gelado e turbulento, que os crepes com Nutella do Iceberg continuam quentinhos e saborosos, é bom ver que o farol continua a dar luz e que a cacimba ainda não parou de cair. Que o café do Sr. António continua a ser 1,5€, e que casmurro que ele é, e que os bifes do João ainda são de comer e chorar por mais. É bom ver-te assim. Obrigada por me dares certezas que daqui a uns anos vou poder partilhar um bocadinho de ti com os meus filhos, mostrar-lhes todos os teus recantos e todos os teus segredos.

Hoje fui visitar-te e senti que ainda gostas de mim...

Marta Monteiro Oliveira

CAMILO PESSANHA Passou o OUTONO

Passou o Outono já, já torna o frio...
— Outono de seu riso magoado.
Álgido Inverno! Oblíquo o sol, gelado...
— O sol, e as águas límpidas do rio.
Águas claras do rio! Águas do rio, 
Fugindo sob o meu olhar cansado,
Para onde me levais meu vão cuidado?
Aonde vais, meu coração vazio?
Ficai, cabelos dela, flutuando,
E, debaixo das águas fugidias,
Os seus olhos abertos e cismando...
Onde ides a correr, melancolias?
— E, refractadas, longamente ondeando,
As suas mãos translúcidas e frias...
Passou o Outono já, já torna o frio...
— Outono de seu riso magoado.
Álgido Inverno! Oblíquo o sol, gelado...
— O sol, e as águas límpidas do rio.
Águas claras do rio! Águas do rio,
Fugindo sob o meu olhar cansado,
Para onde me levais meu vão cuidado?
Aonde vais, meu coração vazio?
Ficai, cabelos dela, flutuando,
E, debaixo das águas fugidias,
Os seus olhos abertos e cismando...
Onde ides a correr, melancolias?
— E, refractadas, longamente ondeando,
As suas mãos translúcidas e frias...
CAMILO PESSANHA

terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Ricardo Reis ---- Segue o teu destino

Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias.
A realidade
Sempre é maios ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós própios.
Suave é viver só
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixa a dor nas aras
Como ex-voto aos deuses.
Ricardo Reis

Fernando Pessoa A morte chega cedo

A morte chega cedo,
Pois breve é toda vida
O instante é o arremedo
De uma coisa perdida.
O amor foi começado,
O ideal não acabou,
E quem tenha alcançado
Não sabe o que alcançou.
E tudo isto a morte
Risca por não estar certo
No caderno da sorte
Que Deus deixou aberto.
Fernando Pessoa

sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

ALBERT CAEIRO Se à vezes digo que as flores sorriem

Se às vezes digo que as flores sorriem
E se eu disser que os rios cantam,
Não é porque eu julgue que há sorrisos nas flores
E cantos no correr dos rios...
É porque assim faço mais sentir aos homens falsos 
A existência verdadeiramente real das flores e dos rios.
Porque escrevo para eles me lerem sacrifico-me às vezes
À sua estupidez de sentidos...
Não concordo comigo mas absolvo-me,
Porque só sou essa cousa séria, um intérprete da Natureza,
Porque há homens que não percebem a sua linguagem,
Por ela não ser linguagem nenhuma.
Alberto Caeiro

domingo, 15 de janeiro de 2017

Sophia Mello Breyner Andersen

MAR
De todos os cantos do mundo
Amo com um amor mais forte e mais profundo
Aquela praia extasiada e nua,
Onde me uni ao mar, ao vento e à lua.
Sophia de Mello Breyner Andresen

quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Eugénio de ANDRADE --- OS AMIGOS

Os Amigos

Os amigos amei 
despido de ternura 
fatigada; 
uns iam, outros vinham, 
a nenhum perguntava 
porque partia, 
porque ficava; 
era pouco o que tinha, 
pouco o que dava, 
mas também só queria 
partilhar 
a sede de alegria — 
por mais amarga. 

Eugénio de Andrade,


terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Carlos Drummond ANDRADE --- Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias

“Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias,
a que se deu o nome de ano,
foi um individuo genial.
Industrializou a esperança,
fazendo-a funcionar no limite da exaustão.
Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar
e entregar os pontos.
Aí entra o milagre da renovação
e tudo começa outra vez, com outro número
e outra vontade de acreditar
que daqui para diante tudo vai ser diferente.
Para você, desejo o sonho realizado,
o amor esperado,
a esperança renovada.
Para você, desejo todas as cores desta vida,
todas as alegrias que puder sorrir,
todas as músicas que puder emocionar.
Para você, neste novo ano,
desejo que os amigos sejam mais cúmplices,
que sua família seja mais unida,
que sua vida seja mais bem vivida.
Gostaria de lhe desejar tantas coisas…
Mas nada seria suficiente…
Então desejo apenas que você tenha muitos desejos,
desejos grandes.
E que eles possam mover você a cada minuto
ao rumo da sua felicidade.”
CARLOS DRUMMOND de Andrade