quarta-feira, 28 de setembro de 2016

CARLOS DRUMMOND ANDRADE TRISTEZA no CÉU

Tristeza no Céu ---- Carlos Drummond de Andrade
“No céu, também, há uma hora melancólica
Hora difícil em que a dúvida penetra as almas
Por que fiz o mundo?
Deus se pergunta e se responde: “Não sei”
Os anjos olham-no com reprovação e plumas caem
Todas as hipóteses
A graça, a eternidade, o amor, caem
São plumas
Outra pluma, o céu se desfaz
Tão manso, nenhum fragor denuncia
O momento entre tudo e nada
Ou seja, a tristeza de Deus”

terça-feira, 27 de setembro de 2016

AGRESTES MARIANNE MOORE

Sempre evitei falar de mim,
falar-me. Quis falar de coisas.
Mas na selecção dessas coisas
não haverá um falar de mim?

Não haverá nesse pudor
de falar-me uma confissão,
uma indirecta confissão.
pelo avesso, e sempre impudor?

A coisa de que se falar
até onde está pura ou impura?
Ou sempre se impõe, mesmo
impuramente, a quem dela quer falar?

Como saber, se há tanta coisa
de que falar ou não falar?
E se o evitá-la, o não falar,
é uma forma de falar da coisa?

- Dúvidas apócrifas de Marianne Moore, in "Agrestes".

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Ausência --- Carlos Drummond Andrade


Ausência

Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.

Carlos Drummond Andrade

domingo, 18 de setembro de 2016

RICARDO REIS:::: (Fernando Pessoa) ---- segue o teu destino....

Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias.
A realidade
Sempre é maios ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós própios.
Suave é viver só
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixa a dor nas aras
Como ex-voto aos deuses.
Ricardo Reis
( Fernando Pessoa )