domingo, 30 de dezembro de 2018

Vinicius de Morais ---------- Depois de tanto erro passado

Soneto do amigo

Enfim, depois de tanto erro passado 
Tantas retaliações, tanto perigo 
Eis que ressurge noutro o velho amigo 
Nunca perdido, sempre reencontrado.

É bom sentá-lo novamente ao lado 
Com olhos que contêm o olhar antigo 
Sempre comigo um pouco atribulado 
E como sempre singular comigo.

Um bicho igual a mim, simples e humano 
Sabendo se mover e comover 
E a disfarçar com o meu próprio engano.

O amigo: um ser que a vida não explica
Que só se vai ao ver outro nascer
E o espelho de minha alma multiplica...
Vinicius de Moraes , Antologia Poética. Rio de Janeiro

Natal AFRICANO

Natal Africano
Não há pinheiros nem há neve,
Nada do que é convendonal, 
Nada daquilo que se escreve
Ou que se diz... Mas é Natal.
Que ar abafado! A chuva banha
A terra, morna e vertical.
Plantas da flora mais estranha,
Aves da fauna tropical.
Nem luz, nem cores, nem lembranças
Da hora única e imortal.
Somente o riso das crianças
Que em toda a parte é sempre igual.
Não há pastores nem ovelhas,
Nada do que é tradicional.
As orações, porém, são velhas
E a noite é Noite de Natal.

Sophia Mello Breyner Andersen --------- --------- -------- Voltar ali onde a verde rebentação da vaga


"Voltar ali onde
A verde rebentação da vaga
A espuma o nevoeiro o horizonte a praia
Guardam intacta a impetuosa
Juventude antiga -
Mas como sem os amigos
Sem a partilha o abraço a comunhão
Respirar o cheiro a alga da maresia
E colher a estrela do mar em minha mão "
Sophia de Mello Breyner Andresen, in 'Musa'

domingo, 23 de dezembro de 2018

MIGUEL TORGA ---- DEVIA SER NEVE

NATAL
Devia ser neve humana
A que caia no mundo
Nessa noite de amargura
Que se foi fazendo doce...
Um frio que nos pedia
Calor irmão, nem que fosse
De bichos de estrebaria.
Poesia :Miguel Torga

david mourão ferreira ----natal à beira rio

Natal à Beira-Rio

É o braço do abeto a bater na vidraça? 
E o ponteiro pequeno a caminho da meta! 
Cala-te, vento velho! É o Natal que passa, 
A trazer-me da água a infância ressurrecta. 
Da casa onde nasci via-se perto o rio. 
Tão novos os meus Pais, tão novos no passado! 
E o Menino nascia a bordo de um navio 
Que ficava, no cais, à noite iluminado... 
É noite de Natal, que travo a maresia! 
Depois fui não sei quem que se perdeu na terra. 
E quanto mais na terra a terra me envolvia 
E quanto mais na terra fazia o norte de quem erra. 
Vem tu, Poesia, vem, agora conduzir-me 
à beira desse cais onde Jesus nascia... 
Serei dos que afinal, errando em terra firme, 
Precisam de Jesus, de Mar, ou de Poesia? 

terça-feira, 11 de dezembro de 2018

MÁRIO QUINTANA ---- SEGUE O TEU DESTINO

Mário Quintana ~~~~~~~ OS PÁSSAROS
" Os poemas são pássaros que chegam não se sabe de onde e pousam no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam vôo como de um alçapão.
Eles não têm pouso nem porto; alimentam-se um instante em cada par de mãos e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias, no maravilhado espanto de saberes que o alimento deles já estava em ti "...