quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

Marta .... SPedro


S. Pedro de Moel

Hoje fui visitar-te. As saudades eram mais que muitas, estavas ali intacta como se estivesses à espera que eu voltasse. Sempre que penso em ti fico com borboletas na barriga e sempre que falo de ti enches-me de orgulho. Mas a verdade é que te deixamos sempre que o frio se aproxima e parece que nos esquecemos daquilo que és para nós, tenho medo que aches que não te levamos no coração. Eu levo, e sei que os melhores também. 
Mas sempre que voltamos tratas-nos bem, bem de mais. Recebes-nos com o teu cheiro a maresia que nos entra casa a dentro e nos faz sentir-te nos nossos pulmões, cada vez que inspiro parece que ganho 10 anos de vida. Fazes-nos bem, fazes-nos muito bem.
Hoje fui visitar-te e continuas a praia mais bonita de todas, é tão bom pensar que nunca vais mudar e que vais ser para sempre o melhor sítio do mundo. É bom ver que o mar continua gelado e turbulento, que os crepes com Nutella do Iceberg continuam quentinhos e saborosos, é bom ver que o farol continua a dar luz e que a cacimba ainda não parou de cair. Que o café do Sr. António continua a ser 1,5€, e que casmurro que ele é, e que os bifes do João ainda são de comer e chorar por mais. É bom ver-te assim. Obrigada por me dares certezas que daqui a uns anos vou poder partilhar um bocadinho de ti com os meus filhos, mostrar-lhes todos os teus recantos e todos os teus segredos.

Hoje fui visitar-te e senti que ainda gostas de mim...

Marta Monteiro Oliveira                   Nota  --  este texto  foi escrito pela Marta depois de uma visita a S. Pedro  a 20 de dezembro de 2016

terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

fFernando Pessoa ----- sorriso das folhas

Sorriso audível das folhas”:
Sorriso audível das folhas
Não és mais que a brisa ali,
Se eu te olho e tu me olhas,
Quem primeiro é que sorri?
O primeiro a sorrir ri.
Ri e olha de repente
Para fins de não olhar
Para onde nas folhas sente
O som do vento a passar.
Tudo é vento e disfarçar.
Mas o olhar, de estar olhando
Onde não olha, voltou
E estamos os dois falando
O que se não conversou.
Isto acaba ou começou?

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

carlos Oliveira .... LÁGRIMA

LÁGRIMA
A cada hora
o frio
que o sangue leva ao coração 
nos gela como o rio
do tempo aos derradeiros glaciares
quando a espuma dos mares
se transformar em pedra.
Ah no deserto
do próprio céu gelado
pudesses tu suster ao menos na descida
uma estrela qualquer
e ao seu calor fundir a neve que bastasse
à lágrima pedida
pela nossa morte.
CARLOS de OLIVEIRA

domingo, 17 de fevereiro de 2019

ARY dos SANTOS ---- ERA A TARDE MAIS LONGA DE TODAS AS TARDES QUE ME ACONTECIA

… Era a tarde mais longa de todas as tardes que me acontecia
Eu esperava por ti, tu não vinhas, tardavas e eu entardecia
Era tarde, tão tarde, que a boca tardando-lhe o beijo morria.
Quando à boca da noite surgiste na tarde qual rosa tardia
Quando nós nos olhámos, tardámos no beijo que a boca pedia
E na tarde ficámos, unidos, ardendo na luz que morria
Em nós dois nessa tarde em que tanto tardaste o sol amanhecia
Era tarde de mais para haver outra noite, para haver outro dia.
Meu amor, meu amor
Minha estrela da tarde
Que o luar te amanheça
E o meu corpo te guarde.
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza
Se tu és a alegria
Ou se és a tristeza.
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza!
Foi a noite mais bela de todas as noites que me adormeceram
Dos noturnos silêncios que à noite de aromas e beijos se encheram
Foi a noite em que os nossos dois corpos cansados não adormeceram
E da estrada mais linda da noite uma festa de fogo fizeram.
Foram noites e noites que numa só noite nos aconteceram
Era o dia da noite de todas as noites que nos precederam
Era a noite mais clara daqueles que à noite se deram
E entre os braços da noite, de tanto se amarem, vivendo morreram.
Meu amor, meu amor
Minha estrela da tarde
Que o luar te amanheça
E o meu corpo te guarde.
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza
Se tu és a alegria
Ou se és a tristeza.
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza!
Eu não sei, meu amor, se o que digo é ternura, se é riso se é pranto
É por ti que adormeço e acordado recordo no canto
Essa tarde em que tarde surgiste dum triste e profundo recanto
Essa noite em que cedo nasceste despida de mágoa e de espanto
Meu amor, nunca é tarde nem cedo para quem se quer tanto!
Ary dos Santos

terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

Camilo Pessanha --- floriram as rosas bravas


Floriram por engano as rosas bravas
No Inverno: veio o vento desfolhá-las...
Em que cismas, meu bem? Porque me calas
As vozes com que há pouco me enganavas?
Castelos doidos! Tão cedo caístes!...
Onde vamos, alheio o pensamento,
De mãos dadas? Teus olhos, que um momento
Perscrutaram nos meus, como vão tristes!
E sobre nós cai nupcial a neve,
Surda, em triunfo, pétalas, de leve
Juncando o chão, na acrópole de gelos...
Em redor do teu vulto é como um véu!
Quem as esparze — quanta flor! —, do céu,
Sobre nós dois, sobre os nossos cabelos?
CAMILO PESSANHA

domingo, 10 de fevereiro de 2019

Agualusa ---- Nada passa ... nada expira

Nada passa, nada expira.
O passado é
um rio que dorme
e a memória uma mentira
multiforme.
Dormem do rio as águas
e em meu regaço dormem os dias
dormem as mágoas
as agonias
dormem.
Nada passa, nada expira.
O passado é
um rio adormecido
parece morto, mal respira
acorda-o e saltará
num alarido.
- in “O Vendedor de Sonhos”.
AGUALUSA

sábado, 9 de fevereiro de 2019

Eugénio de ANDRADE ----- o inverno

´O INVERNO` - EUGÉNIO DE ANDRADE
"Velho, velho, velho
Chegou o Inverno.
Vem de sobretudo,
Vem de cachecol,
O chão onde passa
Parece um lençol.
Esqueceu as luvas
Perto do fogão:
Quando as procurou,
Roubara-as um cão.
Com medo do frio
Encosta-se a nós:
Dai-lhe café quente
Senão perde a voz.
Velho, velho, velho.
Chegou o Inverno.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019

Herberto Helder ---- Por vezes tudo se ilumina

Herberto Helder
"Sei que os campos imaginam as suas próprias rosas.
As pessoas imaginam os seus próprios campos de rosas.
E às vezes estou na frente dos campos
como se morresse;
outras, como se agora somente eu pudesse acordar.
Por vezes tudo se ilumina.
Por vezes sangra e canta.
Eu digo que ninguém se perdoa no tempo.
Que a loucura tem espinhos como uma garganta."