terça-feira, 1 de novembro de 2011

O BúZIO........

(.............No alto da duna o Búzio estava com a tarde. O sol pousava nas suas mãos, o sol pousava na sua cara e nos seus ombros. Ficou algum tempo calado, depois devagar começou a falar. Eu entendi que falava com o mar, pois o olhava de frente e estendia para ele as suas mãos abertas, com as palmas em concha viradas para cima. Era um longo discurso claro, irracional e nebuloso que parecia, com a luz, recortar e desenhar todas as coisas. Não posso repetir as suas palavras: não as decorei e isto passou-se há muitos anos. E também não entendi inteiramente o que ele dizia. E algumas palavras mesmo não as ouvi, porque o vento rápido lhas arrancava da boca. Mas lembro-me de que eram palavras moduladas como um canto, palavras quase visíveis que ocupavam os espaços do ar com a sua forma, a sua densidade e o seu peso. Palavras que chamavam pelas coisas, que eram o nome das coisas. Palavras brilhantes como as escamas de um peixe, palavras grandes e desertas como praias. E as suas palavras reuniam os restos dispersos da alegria da terra. Ele os invocava, os mostrava, os nomeava: vento, frescura das águas, oiro do sol, silêncio e brilho das estrelas.
Sophia de Mello Breyner Andresen, "Homero", in Contos

2 comentários:

  1. Eram palavras salpicadas como espuma das ondas... só as entendemos às vezes. :)

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  2. Obrigada Isabel pelo seu comentário: na verdade, nem sempre entendemos bem as palavras poéticas dos nossos escritores mas, sentimo-las nos nossos corações, e ecoam bem fundo!

    Desejo-lhe um FIM de SEMANA agradável...
    Um grande beijinho
    MHelena

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