quinta-feira, 18 de março de 2010

Poema Árabe

Poema --- Filho perdoa-me



"... Mas isto é uma prisão, pai,

Não sabes desenhar um pássaro?


E eu digo-lhe: "Filho, perdoa-me".



Esqueci-me da forma dos pássaros.

O meu filho coloca o livro de desenhos à minha frente

E pede-me que desenhe uma espiga de trigo.

Pego num lápis

E desenho uma arma.

O meu filho desdenha da minha ignorância,

perguntando,

"Pai, não sabes a diferença entre uma espiga de trigo e uma arma?"

Eu digo-lhe: "Filho,

uma vez usei a forma da espiga de trigo

a forma do pão

a forma da rosa

Mas nestes tempos duros

as árvores da floresta juntaram-se

aos homens da milícia

e a rosa veste uniformes escuros

Neste tempo de espigas de trigo armadas

de pássaros armados

de cultura armada

e de religião armada

não se pode comprar pão

sem encontrar uma arma no interior

não se pode colher uma rosa do campo

sem que os seus espinhos nos arranhem o rosto

não se pode comprar um livro

que não vá explodir entre os nossos dedos."

O meu filho senta-se à beira da minha cama

e pede-me que recite um poema

Uma lágrima cai dos meus olhos para a almofada.

O meu filho apanha-a, surpreendido, dizendo:

"Mas esta é uma lágrima, pai, não é um poema!"

E eu digo-lhe:

"Quando cresceres, meu filho,

e aprenderes o 'diwan' da poesia árabe

descobrirás que palavra e lágrima são gémeas

e que o poema árabe

não é mais do que uma lágrima chorada por dedos que escrevem."

O meu filho pega nos seus pincéis,

a caixa de pinturas à minha frente

e pede-me que lhe desenhe uma pátria.

O pincel treme nas minhas mãos

e eu afundo-me, chorando


Nizzar Qabbani

1 comentário:

  1. Lindo Poema Lena.

    Embarco hoje para Lisboa, rumo ao "meu Moçambique".

    Não queria deixar de ir sem ler algumas notícias do nosso "Blog" e ... cá vim ver onde tem andado a Lenita a "viajar"...

    Bjs

    Elisa

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